Nos Estados Unidos, na sequência do escândalo de Abu Grahib, a propósito do enquadramento noticioso que os principais órgãos de comunicação social deram ao caso, dizia-se, que se era verdade que as fotografias tinham criado a notícia, Karl Rove (conselheiro de Bush) teria provavelmente escrito as legendas.
As análises, levadas a cabo em diversos estudos, ao tratamento noticioso dado ao caso, mostravam que apesar das fotos e da vasta documentação contextual, a imprensa dominante não conseguiu enquadrar a história de uma forma que fosse para além da versão governo. A imprensa nacional dominante enquadrou a história como um caso ambíguo de abuso, e não como um possível exemplo de uma prática mais sistemática de tortura que abrangia o Afeganistão, Guantánamo e o Iraque.
De acordo com os modelos de enquadramentos noticiosos, e de definição de eventos, a relativa fraqueza do enquadramento tortura nas notícias, revela uma tendência bem patente da grande imprensa em seguir as orientações das autoridades institucionais, face à ausência de um significativo desacordo entre as elites.
Recordo este caso, porque em Portugal, quando o Partido Socialista conquistou o poder, imediatamente começou a construir a narrativa que havia de enquadrar toda a actividade governativa na comunicação social. O descalabro das contas públicas, e a herança caótica dos anteriores governos da coligação PSD-PP, impunham uma espécie de governo de salvação nacional. Como os governos têm mais êxito na gestão de notícias, quando utilizam enquadramentos culturalmente relevantes, para definir acontecimentos facilmente interpretados como “congruentes” em termos culturais, criaram-se alguns desígnios patrióticos, entre os quais, o estabilizar das contas públicas, as grandes obras públicas (Ota e TGV), a Presidência Portuguesa da UE e o “choque tecnológico”.
Se olharmos para estes quatro exemplos, verificamos que salvo pequenas excepções, os enquadramentos noticiosos nos principais órgãos de comunicação social, seguiram sempre o enquadramento do governo, com especial beneplácito da RTP. Foi nos blogs, ou em outros órgãos de comunicação social, fora do mainstream, que se desafiaram esses enquadramentos, e foi aí que a discussão foi sempre mais dinâmica e contrária ao consenso generalizado.
É nesta lógica, que o Primeiro-Ministro, sempre que é confrontado com críticas a estes desígnios patrióticos, reage com aquela arrogância que bem o caracteriza, procurando desde logo marginalizar qualquer opinião contrária, como se tratassem de crimes de lesa-pátria. É por isso, que todos aqueles que se opõem ao Tratado de Lisboa, ou questionam os computadores Magalhães, são enquadrados como “Velhos do Restelo”, ou adeptos da política do bota abaixo, que insistem em travar o desenvolvimento do país. E quando alguém dentro da imprensa mainstream tenta romper com este enquadramento, veja-se o que se sucedeu ao Público no caso da licenciatura de José Socrátes e dos seus inqualificáveis projectos de engenharia.
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